sexta-feira, 23 de março de 2012

Quando nosso EU está fora de nós

Todas as manhãs, no percurso que faço de carro ouço uma rádio de notícias. Nesse programa existem vários comentaristas de diversos assuntos. Bem no horário que ouço tem um que não me interessa em nada, a temática é sobre futebol. Mas hoje, para meu espanto, não só ouvi atentamente como provocou-me reflexões. O assunto versava sobre o jogo de ontem, da Libertadores da América, em que o Neymar sofreu faltas graves, caiu muito e o juiz não penalizou o adversário. A discussão (os jornalistas da rádio interagem com o comentarista), era a respeito da arbitragem, que foi ruim, mas que o Neymar estava tornando-se um sinônimo de jogador que cai muito. Compararam-o com o Messi que mesmo sofrendo várias entradas agressivas, mantinha-se em pé. Especulou-se nessa discussão o quanto essa tática de cavar faltas talvez estivesse prejudicando a imagem do jogador, inclusive denegrindo a qualidade de seu futebol. Houve até uma frase do âncora colocando que o Neymar, de vitima passou a ser réu, pois no jogo do dia anterior ele realmente sofreu faltas agressivas, mas não "apareceram" defensores ao jogador, provavelmente por sua imagem e histórico de cair muito. E nessa discussão toda a rádio convidou os ouvintes para assitirem no Youtube um video  sobre o Messi, com vários lances nos quais esse jogador sofreu faltas, ou entradas agressivas e manteve-se em pé (vejam bem como era inflamada a temática). Em determinado momento o comentarista relatou que em um almoço com o Neymar Pai, este afirmou que a atitude era estratégica e assumiu que instruía o Júnior a agir assim com o objetivo de cavar faltas. Fiquei pasma, não com o fato do Neymar Pai de ter assumido o teatrinho, mas com a confirmação de que o Neymar Filho não pensa por si, age sempre de acordo com o que o pai pensa e comanda. Freud já disse: "se dois indivíduos estão sempre de acordo em tudo, posso assegurar que um dos dois pensa por ambos". E pelo pouco que sei (se estiver comentando alguma injustiça favor me avisem, caros leitores) não há outra figura a qual o Neymar Filho dê ouvidos, ou siga aos comandos.  Onde estão as idéias do Neymar Filho? Onde está o que pensa ou sabe sobre si mesmo? A resposta é simples: estão no Neymar Pai. O Eu do filho está no pai. E quando essa figura paterna não existir mais (não precisa ser a morte, mudanças podem acontecer) o que será do Eu do Neymar Filho? Não será, não há Eu. Irá sucumbir em seu vazio interno, ao seu EU oco. O Neymar não é o primeiro caso da história e não será o último, em que os desejos das figuras paternas são se sobrepõem ao EU dos filhos. Esses pais não permitem (muitas vezes sem consciência disso) seu "sonho" (que não é o filho, mas aquilo que planejaram para o filho) crie uma maneira própria de ser. Muitos pais idealizam vidas para os filhos e seguem obstinadamente esse "projeto", não deixam espaço para o indivíduo descobrir algo sobre si, do que gosta, do que não gosta, o que pensa, etc. Conduzir, dar condução e condição emocional para o filho descobrir a si mesmo é importante e imprescindível. A criança precisa, inicialmente, ser conduzida. Então mostra-se o mundo e as possibilidades ao filho. Coloca o filho ou a filha no ballet, na ginástica, em artes, no teatro, no tênis, no futsal, no volley, etc., com o intuito de favorecer experiências ao filho para ele possa conhecer suas habilidades, e também suas inabilidades, e a partir disso sentir desejo, impulsionar-se, com  desejos próprios . Outra ilustração de uma condução destrutiva é o caso tenista Martina Hings. Sua mãe colocou esse nome já com a intenção da menina seguir os passos da grande tenista Martina Navratilova. Então, para essa mãe alcançar o seu ideal colocou a filha desde muito nova no tênis e investiu emocionalmente tudo nessa "empreitada". A Hings quando adolescente ganhou campeonatos e quando jovem já estava afastada das quadras por graves lesões. Essa busca pelas vitórias foi treinada todos os dias em função do ideal da mãe, só que o organismo da Martina Hings não estava de acordo com esse ideal. O que essa mãe se esqueceu de colocar em seu planejamento é que a Hings não era a Navratilova, era a Hings. E, será que algum dia a Hings foi vista apenas como uma menina com característica de criança, sabem, com aqueles olhinhos curiosos? Ou será que toda vez que essa mãe investia na filha ela via a Navratilova e não a própria filha? Para quem assistiu Cisne Negro, este é outro exemplo do desejo da mãe encapsulando qualquer desejo próprio e singular daquele indivíduo. Esses desejos são desejos "dementadores" (figuras do livro Harry Potter), sugam a vida emocional, o que impulsiona, o que nos leva a ser nós mesmos. No caso do Cisne Negro, em uma interpretação bem simplista, uma forma do psiquismo desvencialiar-se desse ataque brutal e mortífero foi a loucura. A loucura é uma linguagem própria para aquele indivíduo, é uma busca de diferenciação, mas como sua estrutura emocional, seu psiquismo é frágil e fragmentado, essa busca não se sustenta. A maneira encontrada de sobrevivência psíquica é o transbordamento de suas fragmentações que não conseguem unir-se. Surge o cindido, o rompido. Nesse indivíduo, é uma maneira própria de escancar como sofre, como é frágil, como é fragmentado. Por fim, quando nosso EU está fora de nós quem somos? E como é bom ter nosso EU com a gente mesmo.

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